
O tom da nota publicada, ontem, pelo Itamaraty traduz fielmente os imes do governo Lula diante da situação explosiva no Oriente Médio, tanto mais depois da onda de ataques ditos "preventivos" lançados por Israel contra o Irã. O texto registra "firme condenação" à ofensiva, classificada como "clara violação à soberania desse país e ao direito internacional". Termina pedindo "máxima contenção" a "todas as partes envolvidas".
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Na mesma linha se manifestaram alguns governos europeus, como os do Reino Unido e da França. Rússia e China, embora mais críticos à ação israelense, fizeram coro com a chamada "turma do deixa-disso". Partiram de Turquia, Arábia Saudita e outros países de maioria islâmica as acusações mais diretas ao premiê Benjamin Netanyahu.
Cada qual com os próprios motivos, governantes pelo mundo afora medem as palavras com toda a cautela. É unânime a preocupação com os desdobramentos imprevisíveis de uma escalada que conduza a uma guerra generalizada na região. Impactos econômicos, como a instabilidade no mercado de petróleo, já se fazem sentir.
Cruz e espada
Enquanto monitora o alcance e os desdobramentos do revide iraniano, a diplomacia brasileira pisa em ovos nos preparativos finais para participar, na semana que entra, de uma conferência internacional destinada a traçar um mapa para o estabelecimento do Estado palestino. A convite da França, copatrocinadora do evento com a Arábia Saudita, o Brasil dividirá com o Senegal o comando de um dos grupos de trabalho.
O governo Netanyahu se opõe aberta e publicamente à soberania palestina sobre Gaza e a Cisjordânia, onde intensifica a colonização. Os EUA, que apoiam irrestritamente o aliado, criticam e desautorizam a iniciativa franco-saudita.
O encontro, na sede da ONU, coincide com o entrechoque de pressões opostas sobre o Planalto. Na semana que termina, uma comissão de congressistas e outras personalidades reuniu-se com o embaixador Celso Amorim, ex-chanceler e hoje assessor especial de Lula. Levou o pedido de "medidas concretas", inclusive, o rompimento de relações diplomáticas e comerciais, em represália pela ofensiva de Israel contra a Faixa de Gaza. Desde outubro de 2023, quando o movimento islâmico Hamas atacou Israel e causou mais de 1.200 mortes, baixas do lado palestino superam 50 mil — civis, na imensa maioria.
De acordo com relatos, o assessor do Planalto acenou, vagamente, com a revisão de acordos e convênios na área de segurança e defesa. O Brasil importa de Israel equipamento de uso especialmente pelas polícias militares.
A comunidade judaica e a bancada evangélica, na contramaré, cerram fileiras contra Lula, que protesta em tom crescente contra o que chama de "genocídio" em Gaza.
Lá e cá
A abertura de hostilidades diretas com o Irã surpreendeu algumas delegações oficiais brasileiras que participavam de missões técnicas em Israel. O secretário de Ciência e Tecnologia do DF, Marco Antônio Costa, esteve entre os que aram a madrugada de sexta-feira em um abrigo antiaéreo, em Tel Aviv. Outras autoridades tiveram voos cancelados e ficaram no Brasil, depois que o espaço aéreo israelense foi fechado.
Simultaneamente, desembarcava em São Paulo o ativista pró-palestino Thiago Ávila, deportado por Israel. Thiago integrava Flotilha da Liberdade, que tentou levar ajuda humanitária para Gaza por mar. ou dois dias detido depois que a embarcação foi interceptada pela Marinha israelense.
Ver para crer
O Estado judeu tem no Irã um adversário frontal desde a revolução islâmica de 1979. O pivô do atual contencioso é o programa nuclear de Teerã, visto por Israel como "ameaça existencial". Como signatário do Tratado de Não Proliferação (TNP) de armas atômicas, o regime dos aiatolás está autorizado a dominar o ciclo do combustível que alimenta os reatores, incluindo o enriquecimento de urânio — processo indispensável também à produção de armas.
Em troca, os países signatários do tratado aceitam submeter-se a inspeções da Agência Internacional de Energia Atômica (Aiea). Colocado sob suspeita de manter um programa militar secreto, o Irã fechou em 2015 um acordo com os EUA e mais cinco potências. Em 2018, em seu primeiro período na Casa Branca, Donald Trump retirou o país do processo e reimpôs sanções unilaterais a Teerã.
Uma resolução aprovada neste mês pela AIEA acusa o Irã de violar o acordo de 2015 justamente nos termos que limitam o enriquecimento de urânio. Israel, que não assinou o TNP, decidiu atacar instalações nucleares com o propósito alegado de se antecipar à transformação do adversário em potência atômica. Isento de controle internacional, o Estado judeu desenvolve há décadas suas atividades na área.
É corrente, na comunidade internacional, a convicção de que o arsenal israelense inclui de 90 a 140 ogivas atômicas — e mísseis capazes de levá-las ao alvo. Netanyahu e os antecessores adotam como resposta a ambiguidade. Não confirmam nem desmentem afirmações: desafiam quem queira pagar para ver.
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