Artigo

Quando a desunião fala mais alto

"A união das minorias significa força. A capacidade de olhar o ponto de vista do outro pode ser uma salvação. E, quando a desunião fala mais alto, existe um risco"

Quem diria que um aparelho aparentemente tão inofensivo iria causar tanta desunião -  (crédito: Imagem de Semevent por Pixabay)
Quem diria que um aparelho aparentemente tão inofensivo iria causar tanta desunião - (crédito: Imagem de Semevent por Pixabay)

É arriscado levar as discussões das redes sociais para o mundo real. Não é a primeira vez que falo sobre isso. Hoje, contudo, vou fazer uma exceção. É bem possível que você nem tenha ficado sabendo, mas surgiu uma nova polêmica nas redes sociais nos últimos dias: a deputada Erika Hilton (PSol-SP) respondeu a um post do rapper Oruam. O que pode parecer banal, na verdade, repercutiu de forma sonora entre internautas, em um episódio em que a desunião falou mais alto.

Alguns apoiaram o gesto da deputada, afirmando que o artista, independentemente de qualquer suposta transgressão, merece atenção — especialmente por manter contato com comunidades carentes do Rio de Janeiro, que, há muito tempo, são renegadas pelo Estado. Por outro lado, houve críticas: internautas sugeriram que a aproximação não considerou o ado do pai do artista, Marcinho VP, chefe do Comando Vermelho.

As críticas parecem não ter mudado a opinião da deputada, que dobrou a aposta e respondeu com um longo texto, cuja introdução dizia: "Se os filhos fossem responsáveis pelos crimes dos pais, metade dos gays do Brasil estariam presos por homofobia." A polêmica se acentuou.

O objetivo deste texto não é apontar qual lado está certo. A proposta aqui é tentar ir um pouco além. A reflexão que tirei do episódio é que setores já marginalizados estão se desunindo — algo que interessa à elite conservadora e, definitivamente, não ajuda nenhuma minoria.

Lutas sociais representam poucos. Cada um desses "poucos" tem personalidades únicas que, às vezes, não se relacionam entre si. Isso, contudo, não pode significar o afastamento do outro. A divisão é algo perigoso e pode levar à extinção em um mundo trôpego.

A ideia pode até parecer meio óbvia, mas, ao longo dos séculos, foi exaustivamente investigada pela filosofia. Jean-Jacques Rousseau postulou, ainda em 1762, a teoria do "contrato social", segundo a qual os indivíduos abrem mão de direitos naturais em troca da proteção dos pares e, assim, garantem a sobrevivência.

Nietzsche, por outro lado, não valorizava a "união" social no sentido tradicional de harmonia, coletividade ou moral compartilhada. Para ele, a verdadeira grandeza humana emerge na luta contra a normatização, na solidão criativa e na capacidade de dizer "não" à moral do grupo. O alemão desenvolveu a teoria do "super-homem" em meados da década de 1880.

As visões podem parecer bem distintas — e, de certa forma, são —, mas ainda servem para ilustrar o quanto a discussão sobre a importância da união social atravessou grande parte da história humana, mesmo em desacordo e sem necessariamente levar em consideração o conceito de minorias. Agora, essa discussão, ainda que em outra roupagem, retorna. As camadas são bem mais complexas e profundas e, em 2025, envolvem "elementos" perigosos, como as redes sociais e a comunicação massiva.

Mesmo assim, é algo que merece ser discutido — e não ignorado. A união das minorias significa força. A capacidade de olhar o ponto de vista do outro pode ser uma salvação. E, quando a desunião fala mais alto, existe um risco.


postado em 14/06/2025 06:02
x