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Cadê meu torresmo? A gourmetização que engoliu os botecos em BH

A gourmetização dos botecos transforma tradição em luxo: porções caras, estética exagerada e a perda da simplicidade que fazia tudo especial

Cadê meu torresmo? A gourmetização que engoliu os botecos em BH -  (crédito: Uai Turismo)
Cadê meu torresmo? A gourmetização que engoliu os botecos em BH - (crédito: Uai Turismo)
Cadê meu torresmo? A gourmetização que engoliu os botecos em BH ((Foto: produzida por Inteligência Artificial/ GPT Image))

Os botecos em BH sempre foram mais que bares, eram verdadeiros refúgios da simplicidade mineira. Um mundo onde a cerveja era gelada, a comida era farta e o garçom te chamava pelo nome, mesmo que você só tivesse ado por ali duas vezes. Ainda não era a época da gourmetização. Era tudo meio improvisado, meio sambado, mas cheio de sabor e verdade. O prato não precisava ter nome francês, bastava vir quente, bem temperado, farto e com aquele preço “camarada”.

Mas algo mudou nos últimos anos, uma onda de “gourmetização” varreu as esquinas da capital. Os cardápios simples deram lugar a composições artísticas, os copos americanos foram trocados por taças estilizadas, e o torresmo, aquele que antes rangia entre os dentes, virou “panceta suína em cama de angu defumado com redução de rapadura”. O preço? Subiu junto com a toda a nova roupagem dos botecos mineiros mais tradicionais.

A tradição, antes servida em travessas de alumínio ou papel manteiga, agora vem em pratos de ardósia com flores comestíveis e porções que mais parecem degustações minimalistas do que um dia foi chamado de comida de boteco. O pé de frango, antes motivo de orgulho, agora desapareceu da mesa, talvez por vergonha, talvez por não caber no conceito gourmet. O mexidão, herói da madrugada, foi miniaturizado, decorado com brotos e servido apenas para consumo individual.

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Não é que inovar seja pecado. Belo Horizonte sempre teve botecos criativos, ousados, originais. Mas havia um pacto tácito: o sabor não se media pela estética, e a fartura era obrigação, não opção. A comida de boteco era democrática, popular e generosa. Agora, ela corre o risco de virar artigo de luxo, inível para quem realmente sustentou esses balcões por décadas.

Mas alguns botecos ainda resistem e é possível encontrar um prato feito honesto no balcão do Maurício, um pão com pernil pingando gordura no Sabiá, ou uma dobradinha encorpada da Tia Rute no bairro Ouro Preto. Mas esses lugares viraram exceção, quase museus de um tempo em que comer bem em boteco era fácil, barato e informal.

O que está em jogo não é só o preço da porção e sim o espírito de uma cidade que, aos poucos, troca a espontaneidade pela sofisticação fabricada. Porque quando o bar vira vitrine, e o prato vira espetáculo, perde-se um pouco daquilo que fazia dos botecos de Belo Horizonte um patrimônio imaterial, mesmo sem grandes chancelas: a simplicidade que alimenta corpo e alma. A gente entendia o boteco como uma segunda casa, um lugar para largar o peso da semana, dividir a porção e multiplicar a conversa. Hoje, o garçom chega com QRcode, o chope vem em copo cilíndrico com colarinho medido, e o tira-gosto tem nome em inglês.

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Não é ser contra novidade, nem contra o requinte, mas corre-se o risco de transformar a tradição em produto, e a cultura em experiência instagramável, o medo é de que no afã de “melhorar” tudo, a gente esqueça o que fazia aquilo ser especial. Então, se você ainda encontrar um boteco raiz, onde a comida é boa, barata e vem em travessa de alumínio, sente-se e peça o de sempre, brinde aos que vieram antes e avise que vai demorar, afinal, existem “pratos” que não podem mesmo ser servidos em porção gourmet.

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vinicius.contentur - Uai Turismo
postado em 13/06/2025 14:09
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